Da Lei Rouanet e do Audiovisual, como vítimas do atual extremismo político no país
(Esse artigo foi
escrito em 2016, à época do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, antes
da eleição de Jair Bolsonaro à presidência da república)
1.
Dos
extremismos contemporâneos
De tempos para cá, ando pensando bastante na efetividade
do Facebook e de outras redes sociais, em divulgar minhas idéias. Como muitos,
não passei essa temporada das eleições de 2014 para cá ileso. Algumas amizades
se amargaram, alguns contatos se azedaram e algumas pessoas simplesmente
cortaram-me de suas redes sociais.
Sempre escutei que amizades vem e vão, e que na
vida muito mais que amigos, temos contatos. Então realmente não saberia dizer
se as pessoas que perdi em minha lista de contatos nos últimos três, quatro
anos, são amigos, ou simplesmente contatos para adicionar ao número de pessoas.
Muitos já não via fazia muito tempo, muitos,
nossas histórias não cruzavam há mais de uma década (como colegas que estudei
no colégio), outros foram contatos mais recentes que se perderam, dos quais
nunca foi realmente desenvolvida uma relação de amizade. Em alguns casos já
sentia fazia tempo que nossa relação havia se azedado e que não tínhamos mais
nada em comum entre nós.
Algumas dessas rupturas foram silenciosas, a
pessoa simplesmente resolveu fazer uma limpa nos seus contatos do Facebook e eu
entrei na roda, por uma, ou outra opinião minha – muitas vezes na minha própria
timeline – que aquela pessoa não
curtiu, ou não gostou; outra já houve um aviso prévio, apenas uma pequena
discussão e sinal de esfriamento, certo tempo depois percebi que não tinha mais
aquela pessoa entre minha lista de contatos.
Apesar de nunca ter simpatizado com o Partido dos Trabalhadores,
sobretudo com a militância petista e de partidos satélites (PC do B, PSol...)
na internet, que deixa qualquer educação e compromisso com fatos comprovados de
lado em nome de uma ideologia (quem é que nunca foi vítima de estereótipos
ofensas pesadas, quando expressou sua discordância em torno do PT como salvador
nacional, dos pobres e oprimidos de nosso país? – por exemplo, descobri que ser
“paulista”, para alguns petistas/isentões mais extremados, define supostamente
quem você, numa clara demonstração xenófoba e preconceituosa em relação à São
Paulo – apesar do próprio PT ter sido criado naquela cidade e muitas de suas
principais lideranças terem nascidos, ou serem residentes, naquele estado), não
gosto de gente que calunia, difama, ofende, põe mentiras e inverdades de todos
os lados.
Tampouco
acho que sempre estive certo, ou sempre respondi da melhor forma a potenciais
embates políticos e ideológicos. Hoje, porém, talvez por maturidade, talvez por
ter alcançado a paternidade, ou talvez simplesmente por falta de saco, quando
percebo que a pessoa tem uma opinião muito diferente de mim, simplesmente
ignoro e não entro em discussão.
Se
suas opiniões simplesmente me incomodam muito e é de minha lista de contatos,
não sendo pessoa próxima, com a qual não nutro grande relação de amizade e
contato, simplesmente paro de segui-la, afinal, como diz aquele velho ditado,
"o que os olhos não veem, o coração não sente". Se creio que é
informação absolutamente caluniosa, difamante e/ou injuriosa (ou seja, um crime
contra a honra) reflito sobre proceder denúncia perante os canais
competentes.
Discutir,
seguramente, não é o caminho. O que se ganha com isso além de estresse,
exposição desnecessária e perda de tempo? A resposta pelo que pude aprender com
o tempo é uma: absolutamente nada! Apenas vai retroalimentar os preconceitos e
certezas que o sujeito tinha em relação a tudo, para ao final potencialmente
ser excluído e bloqueado de sua vida (isso além de passar a imagem de
chato).
As
certezas ideológicas e políticas se sobrepõem a qualquer consideração
anteriormente existente (nesse sentido, a internet pode mais separar do que
aproximar. Um filme que recomendo sobre os perigos da internet e dos perigos do
excesso de exposição que nos submetemos no mundo atual é "Os
Desconectados", de 2012, com histórias desastrosas da internet baseada em
fatos reais, com o ator Jason Bateman, do então estreante diretor Henry Alex
Rubin).
2.
Da Lei Rouanet e do Audiovisual
Porém
o tema aqui é essencialmente outro. Ultimamente, com a discussão e protestos
acerca da extinção do Ministério da Cultura (Minc), e por diversos
artistas serem favoráveis ao governo da presidente afastada, muitos membros da
sociedade vêm criticando a existência da chamada "Lei Rouanet", sem
saber do que ela realmente trata e como funciona.
Por
sempre ter gostado muito da área cultural, sobretudo o cinema, e sobretudo por ter
estudado e trabalhado um pouco com esse setor (trabalhei em parceria com um
advogado e produtor cinematográfico na área de Direito do Entretenimento, além
de ter cursado duas disciplinas de Direito do Entretenimento no meu mestrado
nos Estados Unidos), creio que posso discorrer algumas linhas sobre esse tópico.
Em primeiro lugar, falando particularmente de cinema,
sem entrar no teatro, nas artes plásticas, na música e em outras formas de
representação artística, há pouquíssimos países do mundo atualmente que têm uma
indústria cinematográfica que consiga se bancar completamente por conta
própria, sem qualquer forma de patrocínio estatal. Aliás, pessoalmente só
consigo pensar em três: Estados Unidos (Hollywood), Índia (Bollywood) e China
(mais especificamente Hong Kong, que, recordando, tem um sistema econômico e
jurídico distinto da China Continental – one
country, two systems).
Todos os outros países do globo, inclusive países
europeus com produção cinematográfica de excelente qualidade, admiradas pelas
mesmas pessoas que agora vem criticar o Minc e leis de incentivo como a
Rouanet, tais como a França, a Itália e a Alemanha, necessitam de alguma
espécie de incentivo estatal para manter sua produção, sobretudo isenções
fiscais (e que ao contrário do que igualmente vem sendo apregoado por aí, têm
sim Ministérios da Cultura, e, em geral, a exemplo da França, bastante fortes e
influentes na formatação e diálogo com as sociedades daqueles países)[1].
Inclusive países que têm produção cinematográfica como
os três países citados inicialmente, em algum momento usam sim patrocínio
estatal para sua indústria cultural, sobretudo por incentivo fiscal. Cabe
ressaltar que os Estados Unidos, país do “livre empreendedorismo”, da cultura
do self-made man, do “construa seu
império do nada” e “basta você querer e trabalhar duro”, país de produtores
lendários de Hollywood, como Jack Warner, David O. Selznick, Adolph Zukor, entre
outros, todos imigrantes, ou filhos de imigrantes, de famílias de origem
humilde, tem, principalmente em diversos estados, programas de incentivos
fiscais para que produções cinematográficas e séries televisivas, sejam
produzidas naquele estado, gerando emprego e renda para os estados produtores,
e não para países estrangeiros.
Um exemplo concreto dessa tendência, foram os esforços
do então governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger (2003-2011), Republicano,
ele próprio oriundo do mundo do entretenimento, inicialmente como
fisiculturista, após como ator e produtor, sobretudo de filmes de ação, que
durante seu mandato à frente do estado mais rico de seu país de adoção[2],
buscou avançar com leis e projetos que estimulassem a produção cultural
cinematográfica em seu estado de residência, oferecendo incentivos e créditos
tributários (tax incentives and tax
credits), na tentativa de evitar que essas produções buscassem lugares mais
baratos, como outros estados norte-americanos, certos países da Europa (a
exemplo da Espanha) e outros países estrangeiros (a exemplo de Marrocos), para
realizar suas filmagens[3].
Referida política teve continuidade durante o governo de seu opositor político,
o Democrata Jerry Brown[4].
Essa discussão, por sinal, já existe faz tempo, com
filmes da década de 50/60, como os chamados “western spaguettis”, filmes do
diretor italiano Sergio Leone, que em grande parte lançaram o hoje reconhecido
ator e diretor, Clint Eastwood, ao estrelato, tendo sido filmados na Itália e
Espanha, sobretudo pelos baixos custos de produção à época naqueles países.
3.
Será,
portanto, tudo culpa da Lei Rouanet?
Pelos
exemplos citados, entende-se que essa história de "acabar com a Lei
Rouanet", pois supostamente é uma "teta" para artista vagabundo
governista é uma verdadeira loucura! O antipetismo pode criar verdadeiras
alucinações, piores que o petismo radical xiita em si! Nem o céu, nem o
inferno! Nem Hitler, nem Stalin!
A
Lei Federal No 8.313, de 23 de dezembro de 1991 (sancionada,
portanto, durante o Governo Collor de Mello, com Jarbas Passarinho, figura
chave do período do Regime Militar, então Ministro da Justiça)[5]
é fruto do trabalho do, na ocasião, Secretário de Cultura, o diplomata e
escritor Sérgio Rouanet, e prevê abatimento de até determinada porcentagem de
imposto de renda para empresas/entidades tributadas no lucro real e para
físicas que patrocinem eventos culturais, através do seu programa de mecenato[6][7].
Seguramente, a Lei precisa de ajustes,
sobretudo para que projetos fora do Eixo Rio-São Paulo (onde ficam as maiores
empresas do país) sejam contemplados por incentivos, algo que hoje,
concretamente, acontece muito pouco (e quando acontece muitas vezes é por
projetos que, ainda que sejam fora do Eixo Rio-São Paulo, como na região
amazônica, tem escritórios com empresa formada, no Rio de Janeiro, ou São
Paulo, para poder ter maiores chances de captar recursos via lei de incentivo);
seguramente
empresas nacionais ainda são muito conservadoras (percebam que grande parte dos
projetos de patrocínio de projetos culturais são feitos por estatais e
sociedades de economia mista, a exemplo da Petrobrás, visto empresas privadas
serem enormemente receosas de investirem em projetos culturais no país) e -
pior -, quando o fazem, com os benefícios trazidos pela Lei, investem pouco em
projetos que não tenham elenco global e conhecido e investem muito em projetos
que poderiam se autosustentar por conta própria e que não representam nada para
a cultura brasileira (ao estilo, "Disney on Ice", musicais da
Broadway como “Wicked”, etc.).
No entanto, se não
fosse a Lei Rouanet (e outras leis de incentivo federais, estaduais e
municipais, que preveem outras isenções de cargas tributárias, como o ICMS, estadual,
e o ISS, municipal), dificilmente a iniciativa privada (que não tende a ser
nada generosa nestes trópicos) faria qualquer espécie de mecenato no Brasil
(recordando que a iniciativa privada norte-americana – Rockefellers, Guggenheims,
Bill e Melinda Gates, Warren Buffett, Família Ford, doam e patrocinam projetos
diversos, inclusive culturais, à custa de MUITA isenção e incentivo fiscal em
seu país de origem)! Provavelmente 95% dos filmes nacionais, desde a retomada em
1995 com Carlota Joaquina jamais teriam saído do papel! A Lei Roaunet e Lei do
Audiovisual – especificamente para projetos cinematográficos[8] –
são, portanto, instrumentos importantíssimos para a produção cultural
brasileira!
Cabe melhorá-la,
discuti-la, adaptá-la à novas produções culturais (aliás discussão que fazia o
agora ex-Ministro da Cultura, Juca Ferreira já propunha e agora Ministro
Marcelo Calero continua), jamais extingui-la.
Apesar de, retornando ao início deste texto,
eu não ser grande simpatizante do PT, sobretudo da militância petista xiita na
internet e nas ruas – tampouco gosto de determinados segmentos ideológicos do
PSDB, pouco comprometidos com uma visão pragmática de sociedade, nem como em
geral funciona a estrutura interna daquele partido para a escolha de candidatos,
com pouca participação de sua militância e juventude (não é a “mídia golpista burguesa”,
que me faz desgostar daquele, ou desse partido), sugiro o artigo do jornalista Luiz
Carlos Azenha ao Viamundo, ele próprio um simpatizante do Partido dos Trabalhadores,
no qual faz observações bastante interessantes sobre a Lei Rouanet, suas
propostas para atualização, críticas e sobretudo generalizações, após o
episódio envolvendo a discussão entre jovens do Leblon, com o compositor e escritor,
Chico Buarque, notadamente apoiador do governo da agora presidente afastada,
Dilma Rousseff[9].
Enfim, talvez com a
conclusão do atual processo de impeachment, certa razão volte a reinar na sociedade
brasileira, para discutir tópicos de forma ponderada, fundamentada e não
meramente emotiva. Porém seguramente a internet traz posições extremistas para
todos os lados, não favoráveis ao aperfeiçoamento de uma democracia jovem e em
construção como a nossa.
Fontes
parciais :
Brasil de Fato - https://www.brasildefato.com.br/2016/07/15/franca-esteve-envolvida-na-criacao-do-estado-islamico-afirma-professor/
Egyptian
Streets - http://egyptianstreets.com/2015/06/09/meet-the-nine-muslim-women-who-have-ruled-nations/
California Film Institute
- Press Release - http://film.ca.gov/res/docs/pdf/press_release/2009/GAAS_7-27-09.pdf
California Film Institute
- http://www.film.ca.gov/ProductionTools_Incentives.htm
O
Globo - http://oglobo.globo.com/mundo/conversao-em-massa-na-alemanha-apos-ataques-19818821
Governo
da França – Ministério da Cultura e Comunicação - http://www.culturecommunication.gouv.fr/
Fundação
Cultural de Curitiba - http://www.fundacaoculturaldecuritiba.com.br/apoie-a-cultura/leiRouanet/como-funciona
Ministério
da Cultura - Lei Roaunet - http://www.cultura.gov.br/incentivofiscal
Site do Planalto – Lei No 8.313, de 23 de
dezembro de 1991 - http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8313cons.htm
Site do Planalto – Lei No 8.685, de 20 de julho
de 1993 - http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8685.htm
[1] Para acessar o
site do Ministério da Cultura e Comunicação Francês (Ministère
de la Culture et de la Communication), acesse: http://www.culturecommunication.gouv.fr/ (em francês). Acesso em 28.08.2016.
[2] Schwarzenegger é originalmente
austríaco, onde viveu sua juventude e início da vida adulta, tendo obtido a
cidadania norte-americana na década de 80, país para o qual imigrou no final da
década de 60.
[3] Recomenda-se: http://film.ca.gov/res/docs/pdf/press_release/2009/GAAS_7-27-09.pdf (em inglês). Acesso em 28.08.2016.
[4] Recomenda-se acesso ao site da Comissão Cinematográfica do estado da
Califórnia (California Film Commission),
para analisar os incentivos tributários estaduais e municipais fornecidos à
produções cinematográficas que desejem filmar naquele estado norte-americano.
Vide: http://www.film.ca.gov/ProductionTools_Incentives.htm (em inglês). Acesso em
28.08.2016.
[5] Lei No 8.313, de 23 de
dezembro de 1991. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8313cons.htm.
Acesso em 28.08.2016.
[6] Sobre a Lei Rouanet e suas formas de incentivo
à cultura nacional, recomenda-se site do Ministério da Cultura (Minc): http://www.cultura.gov.br/incentivofiscal. Acesso em 28.08.2016.
[7] Igualmente, para se entender a Lei Rouanet,
recomenda-se o link da Fundação Cultural de Curitiba: http://www.fundacaoculturaldecuritiba.com.br/apoie-a-cultura/leiRouanet/como-funciona.
[8] Lei No 8.685, de 20 de julho de 1993. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8685.htm. Acesso em 28.08.2016.
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