Tuesday, May 9, 2017

Ode à minha bisavó Yeda

Faz bastante tempo que não uso esse blog pessoal, porém hoje minha bisavó, Yeda, faleceu aos 102 anos (iria completar 103 anos, mês que vem), e creio que ela merece essa singela homenagem.
Ela nasceu em junho de 1914, em Belo Horizonte. No cenário mundial, viveu as duas grandes guerras mundiais (1914-1918) e (1939-1945), a ascensão do comunismo, em 1917, a ascensão do fascismo, em 1923, a ascensão do nazismo, em 1933, a queda de ambos os regimes em 1945 (porém não, infelizmente, do comunismo), o período de descolonização africano e asiático, pós Segunda Guerra e a Guerra Fria, a construção do Muro de Berlim, em 1961, mais recentemente a queda do mesmo Muro, em 1989, e finalmente o esfacelamento do Império Soviético, em 1991.
No Brasil, presenciou a República Velha (1889-1930), o Movimento Tenentista em 1922, e posteriores contestações àquele regime, a Revolução de 1930, o Integralismo, a Intentona Comunista, o Estado Novo, de 1937 a 1945, a República Liberal Popular, de 1945-1964, com figuras como JK, Jango, Jânio Quadros e Carlos Lacerda, o Regime Militar, de 1964 a 1985, cinco constituições (1934, 1937, 1946, 1967, 1988), e a nossa frágil democracia desde então...
Para as feministas de plantão, do tipo "meu corpo, minhas regras", ela, uma mulher então estonteante (até o final da vida, bastante elegante), foi a primeira mulher a se divorciar no estado de Minas Gerais, na época um verdadeiro escândalo, isso em plana década de 40, feito pelo qual ela não teve nenhum apoio da sociedade local belo-horizontina, o que a levou a ter que se mudar para o Rio de Janeiro e posteriormente São Paulo. Teve que se sustentar na época e criar uma filha, minha avó, com seu próprio trabalho, no caso uma confecção de roupas. Gerou empregos, como pequena e média empreendedora, e nunca dependeu de ninguém (posteriormente teve um outro filho, já adulto, com filhos também adultos).
Ademais, foi modelista, e  uma das primeiras brasileiras a estudar moda em Paris, já adulta. Seu amor pela França e pela "haute-culture" francesa era tamanho, que deu nomes franceses aos dois filhos que teve, Christian Jacques e Adrienne. Até hoje nossa família é ligada culturalmente à França, e a agradeço por isso. 
Deu aula de alta costura (ou, "haute-couture", como se dizia à época), cujo ateliê era na Avenida Higienópolis. Ela foi responsável por toda a criação e modelagem da TAY Confecções, sediada no Itaim Bibi ("Y", naturalmente, de Yeda).
Teve filhos, netos, bisnetos e agora, já ao fim da vida, trisnetos (minha filhinha... )
Sei que todos vamos morrer um dia, e espero que minha bisavó esteja num local melhor (como espírita que era, adepta de Allan Kardec, ela seguramente acreditava nisso), porém é triste os que nos deixam, com sua memória, e mais triste ainda que pessoas que viveram durante um período altamente crucial e cheio de extremos para a história da humanidade, que foi o Século XX (o século onde mais morreu gente em toda a história da humanidade)[1] estejam nos deixando, ou já nos deixaram faz um bom tempo (em alguns casos há mais de vinte anos). Não podemos mais estar com essas pessoas, para nos contarem histórias e nos fazerem companhia.
Rezo e penso na minha bisa, pois eu gostava muito dela, e sei que ela gostava de mim. Algo que nunca lhe faltou foi coragem para tomar suas próprias decisões e respeito gente assim...




[1] Recomenda-se, a Era dos Extremos:  o breve século XX, 1914–1991, do historiador britânico, Eric Hobsbawm.

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