Sunday, January 5, 2014

Por que muita gente não vai parar de usar o carro em São Paulo

Por que muita gente não vai parar de usar o carro em São Paulo

Recentemente o governo do prefeito Fernando Haddad, eleito há menos de um ano em São Paulo, resolveu criar centenas de faixas exclusivas para ônibus (e proibir táxis de transitar nelas). A despeito da necessidade de medidas do tipo, principalmente para desestimular o uso de carros, acreditamos que a mesma não obterá o alcance desejado em médio prazo, e temos dúvida em relação ao longo prazo.

Ressaltamos, inicialmente, que, historicamente, o governo brasileiro fez opção equivocada em relação ao transporte público. Houve opção histórica pelas estradas, ruas e avenidas em nosso país e, por consequência, ao carro e à indústria automobilística.

Já declarava o ex-presidente Washington Luís na década do século passada que “governar é construir estrada”.[1] E de fato, todo presidente do período republicano após Luís, inclusive Getúlio Vargas, que o depôs, demonstrou forte tendência a uma política desenvolvimentista voltada a construir estradas para a integração do país.[2] Ou nas palavras de alguns, “para cortar o país”. Destacamos, durante o período democrático do país (1946-1964), a criação da BR-116, rodovia que famosamente corta o país de norte a sul e a criação de diversas medidas governamentais para a construção de “estradas de penetração”, como o Fundo Rodoviário Nacional.

O crescimento das estradas, que se acelerou com o governo de Juscelino Kubistchek (1956-1961) e a instalação das grandes montadoras estrangeiras, foi ainda mais acelerado durante o Regime Militar (1964-1985). Durante o governo dos generais e marechais brasileiros, grande obras como a Transamazônica, a Ponte Rio-Niterói, a Transpantaneira (incompleta), a BR-101 (cortando o litoral sul do país até o litoral nordestino), foram iniciadas.

O objetivo daquela obras, seguindo a então vigente Doutrina de Segurança Nacional, organizada através do Plano de Integração Nacional (PIN), foi, como o próprio nome indica, integrar o país. Os militares utilizavam termos como "integrar para não entregar" e "uma terra sem homens para homens sem terra" para realçar a necessidade de se trazer desenvolvimento e poavamento às mais diversas regiões do país e, assim, não permitir que estas caíssem em mãos estrangeiras. Tanto no governo de JK, quanto dos militares, vários Planos Nacionais de Viação (PNVs) foram postos em prática.

É evidente que durante a história do Brasil, tanto como Império, quanto como República, houve investimento em outras formas de transporte como a navegação de cabotagem, o transporte ferroviário e aéreo. Entretanto, especialmente a partir do século XX, houve investimento predominante na indústria rodoviária e automobilística, com reflexos no presente. Podemos citar como principal reflexo o chamado “Custo Brasil”, termo utilizado para se referir ao custo da exportação de nossos produtos, que ocorre, em geral, por caminhão, por estradas e rodovias, estas muitas vezes mal sinalizadas e conservadas (algumas, em alguns grotões do país, inclusive não pavimentadas), adicionando o preço da gasolina ao frete.

Isso sem mencionar os altíssimos índices de acidentes e mortes que ocorrem em estradas brasileiras, principalmente em véspera de feriados, ceifando a vida de significativa parte de nossa população, em especial a juventude.[3]

E as cidades? Bem, as cidades refletem essa política de prevalência do veículo automotor ao invés do tranporte coletivo, associado a outro poderosíssimo grupo de impacto econômico e político: as empresas de construção civil.

Em diversas metrópoles brasileiras, o concreto passa pelo planejamento urbano, destruindo a harmonia entre o homem e a natureza, visando abrir mais espaço para ruas e avenidas. O investimento em transporte sobre trilhos nas cidades brasileiras (metrô e trem) sempre foi insuficiente e até hoje poucas capitais possuem transporte ferroviário, sempre de pouca extensão, apesar de em muitos casos, como São Paulo, de boa qualidade.

Para reforçarmos o argumento de prevalência do concreto sobre o espaço urbano, em São Paulo, podemos mencionar que o Rio Ipiranga, onde D. Pedro I proclamou nossa independência às suas margens, não existe mais, tendo sido soterrado por concreto para a construção de avenidas. Nesse mesmo sentido, as Marginais Pinheiros e Tietê não foram bem planejadas, não respeitando o espaço de vazão dos rios em época de chuva, ou inclusive suas curvas naturais (os rios Pinheiros e Tietê, por exemplo, foram em diversos trechos canalizados).

Desnecessário dizer o descaso com a preservação do patrimônio histórico nacional, ressaltado no fato que, independente de qualquer outra coisa, ainda somos um país com alto grau de pobreza e miséria, onde preocupações com o meio ambiente, a cultura e o patrimônio histórico, ainda podem ser vistas como secundárias, posto que muitos têm como preocupação essencial conseguir seu alimento diário.  O próprio planejamento da cidade se faz presente em detrimento do patrimônio histórico, visando a construção de novos prédios e negócios.

Portanto, após extensa digressão histórica e cultural, podemos concluir que os paulistanos simplemente não vão abandonar carro, porque durante décadas, praticamente um século, estão acostumados a utilizarem veículos automotores próprios. Nesse sentido, carro traz mais conforto: ainda que o indíviduo fique duas horas parado no trânsito, está dentro de seu veículo ouvindo música, com ar-condicionado, ao invés de ficar de pé num ônibus lotado sem ar-condicionado (por experiência podemos afirmar que muitos ônibus em São Paulo nem sequer ar-condicionado possuem, isso num país de clima tropical).

Carro, portanto, representa status. Afinal, se realmente adentramos num país de classe média nessa última década, onde muitos finalmente podem adquirir itens que não podiam adquirir antigamente, como um veículo automotor, onde a desigualdade supostamente diminuiu principalmente através do consumo – e não devido a reformas estruturais essenciais, como a reforma da educação e a reforma tributária – parece-nos normal que as pessoas desejem adquirir seu veículo automotor zero.

Sobretudo, quando o governo federal, cujo partido no poder é o mesmo do Senhor Prefeito, reduz ou zera o IPI para veículos automotores, medida visando justamente auxiliar a indústria automobilistíca nesses tempos de desaceleração da economia.

Parece-nos, no mínimo, políticas contraditórias, que se contrapõem e se anulam. Seria, em palavras chulas, como dar liberdade a um cachorro, permitindo-lhe correr por largos campos, mas dando-lhe um choque elétrico numa coleira com controle remoto cada vez que ele decida fazer isso. Não nos toca como producente.

Ademais, conforme argumentamos, carro próprio representa status e, mais ainda, exclusividade. Infelizmente vivemos num país e – no caso de São Paulo – numa cidade, que, a despeito de nunca ter havido tantos cidadãos adrentando na classe média nos últimos dez anos, ainda existe muita pobreza, miséria e crime. (Indagamos-nos: será que, afinal, tantos brasileiros entraram na classe média? E se entraram, será que crime não está associado com outros fatores, como valores éticos e familiares, uso de drogas e a falência dos órgãos do Poder Público em cumpriram seu papel, não predominantemente pobreza, como defendem alguns setores da esquerda?)

 Voltando ao argumento da criminalidade gritante – que muitas vezes é um fator psicólogico –, o sujeito não anda na rua, não pega metrô, ou ônibus, porque crê que algo vá acontecer a ele, ainda que naquele momento nada vá ocorrer, nem exista qualquer possibilidade disso (podemos, novamente, argumentar este ponto por experiência própria, já que, quebrando a barreira da terceira pessoa, este autor foi assaltado algumas vezes, em alguns casos quando estava dirigindo, em outras não, porém, atualmente não dirige e não deixa de andar na rua, pegar ônibus, metrô, etc., sempre – usando o jargão popular – com um olho nas costas).

Andar na rua, acima de tudo, significa exposição, muita exposicão. Especialmente se o sujeito é casado, tem filhos, uma carreira estabilizada, usa terno e gravata para trabalhar... Mais uma vez, por experiência própria, andar nas ruas das grandes cidades brasileiras, usar transporte púbico, em especial São Paulo (foco do nosso artigo), é todo dia estar sujeito a ser abordado por miseráveis, mendigos, pedintes, drogados, vendedores ambulantes (no caso de mulheres, em alguns casos, por homens fazendo cantadas ofensivas), e, infelizmente, em algumas ocasiões, por criminosos.

Por último, entendemos que o foco do Senhor Prefeito Fernando Haddad em criar mais faixas de ônibus exclusivas está equivocado.

Primeiro, porque se havia algo de positivo nelas, é que, ainda que se diminuissse o espaço para carros nestas podiam transitar táxis com passageiros. Muitos abandonavam os carros, pois tinham a opção de poder utilizar táxis nessas faixas. O que era vantajoso para todos, e diminuía o número de carros em circulação, ainda que não beneficiasse exclusivamente as empresas de ônibus (será que esse é o objetivo da prefeitura?). A prefeitura chegou a suspender a permissão para que taxistas com passageiros transitem nessas faixas e já ameacou não renová-la, o que atualmente está em estudo.[4]

Segundo, porque se há algum transporte público que tem que se investir é o metrô e transporte sobre trilhos (a exemplo do trem urbano). É caro, demorado, trabalhoso, não rende tantos votos (pois em geral é feito embaixo do solo), porém o único que pode eventualmente convencer os paulistanos a abandonaram seus veículos, a despeito do forte incentivo para se adquirir um veículo automotor e da situação de insegurança que vive a cidade e o país.

Ademais, o transporte ferroviário, em especial o metrô, já que gostamos de nos comparar com os chamados “países desenvolvidos”, é o mais adotado naqueles países. É neste que o prefeito de Nova Iorque, o Primeiro Ministro do Reino Unido, entre outros políticos, costumam transitar. Por que nosso prefeito não dá o exemplo e começa a ir todos os dias, ele, seus assessores e secretários, para o trabalho de metrô e ônibus? Não apenas um dia, por vinte minutos, cercado de seguranças e repórteres como recentemente veio a ocorrer, porém todos os dias, para ir e voltar do trabalho, para ir em todos os eventos oficiais da prefeitura.

E não vale cortar caminho e pegar táxis, pois estes não podem transitar na faixa exclusiva de ônibus, o que fará que custem uma fortuna, fatura paga, naturalmente, com o dinheiro do contribuinte paulistano.

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[1] Interessante observar que a primeira rodovia pavimentada do Brasil, a Rio-Petrópolis, em 1928, ocorreu durante o Governo de Washington Luís (1926-1930)
[2] Durante o Governo Vargas (1930-1845), foi criado Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER), em 1937, que veio a ser substituído pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) em 2001.
[3] Apesar do número de acidentes em estradas esse ano, segundo as mais diversas publicações e índices terem caído, infelizmente, dia 22.12.2013, um domingo, próximo do Natal, acidentes de ônibus na Régis Bittencourt ceifou a vida de 16 pessoas, triste realidade que se repete todos os anos em nosso país, principalmente em época de festividades.

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