Os limites do que um repórter deve ou não deve mostrar na cobertura da notícia, são tão abrangentes quanto a definição do que constitui a liberdade de imprensa em si.
Kahn foi mostrado em seu uniforme laranja, algemado, descabelado e confuso. Muito se especulou se realmente havia cometido o ato libidinoso, sem o consentimento da camareira do hotel Sofitel de Nova Iorque, onde estava hospedado, com uma clara tendência para acreditar no sim.
O papel da imprensa sempre foi desde os primórdios noticiar fatos, muitos desses moralmente repugnáveis involvendo figuras e autoridades públicas. O direito de escrever e publicar notícias ofensivas a autoridades veio a ser consolidado pela promulgação da Magna Carta de 1215, na Inglaterra, limitando os poderes absolutos do rei, como o de impor impostos sem a autorização do rei, e, principlamente, da criação do instituto do Habeas Corpus (em latim, literalmente, “dê-me o corpo”, medida este que limitava prisões sem causa e sem justificativa).
O HC, como é normalmente conhecido no jargão jurídico e popular, veio a ser consolidado em praticamente todos os Estados Democráticos. Triste são as memórias de nosso sofrido continente latino-americano, onde diversas ditaduras militares no contexto da Guerra Fria, subiram ao poder ceifando o Direito Fundamental de liberdade de expressão, intimando opositores, o congresso e a imprensa. Larga medida para alcançar tais objetivos, foi a suspensão do Habeas Corpus, inclusive no Brasil, ocasião que conhecido jornal publicava receitas de bolo e poesias de Camões no lugar de notícias censuradas pelo regime da ocasião.
A censura prévia, a suspensão de direitos fundamentais como o HC, e imposição de requisitos especiais para o funcionamento de órgãos da mídia – a exemplo da licença prévia, portanto revogável ao Deus dará pela ditadura da ocasião –, são medidas que forem historicamente utilizadas por governos ao redor do globo para conter notícias que lhe desagradavam. “Segurança nacional”, “interesse público”, “ordem interna”, constituiram-se jargões para conter os chamados “comunas“ da mídia como eram conhecidos pelo status quo da época (ou “burgueses”, “traidores da revolução”, no caso dos regimes soviéticos).
Em geral, no balanço entre o que mídia deve ou não deve mostrar, no que constitui-se matéria de interesse da sociedade, fez-se aceito a discrição em relação a questões de foro íntimo das autoridades. É conhecido é notável e fascinação e repugnação que a vida privada de seus líderes gera ao povo norte-americano. Nos EUA, nação de forte tradição puritana e protestante, elege-se não apenas o líder, mas o pai, o marido, o homem de família. Diversos políticos tiverem carreiras terminadas ou severamente prejudicadas pela revelação de casos extraconjuguais.
O próprio ex-presidente Bill Clinton a despeito de seus sucessos na condução da economia, veio quase a ser impeacheado por um caso com uma estagiária. Discute-se se o ato do Congresso deveu-se à infidelidade em si, ou ao fato do presidente, o comandamente em chefe, ter mentido à nação ao negar envolvimentos inapropriados com a senhora Monica Lewinsky.
O senhor Dominique Strauss-Kahn é estrangeiro, francês. Era hóspede de luxo numa nação estrangeira. Veio de um país com tradição muito mais liberal de respeito à privacidade de autoridades. Infelizmente, a despeito do seu brilhantismo como presidente do Fundo Monetário Internacional, a conduta que foi acusado de cometer é criminosa em qualquer estado democrático.
Não cabe a nós dizer o que deve ser considerado notícia e o que deve ser considerado sensacionalismo num país estrangeiro, ou mesmo em relação à conduta de nossos próprios compatriotas. A imprensa é essencial em estados democráticos, e fundamental em estados não-democráticos, onde outras instituições não funcionam em sua plenitude. Mas o respeito à figura do indíviduo à sua honra e dignidade, sem desconsiderar a proteção dos mais fracos (como era o caso da camareira, imigrante africana) hão de ser balanceados para o alcance de uma cobertura isenta dos fatos.
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