Monday, June 19, 2023

Berlusconi, Mani Pulite e Operação Lava Jato

 a) Sobre Silvio Berlusconi

Recentemente, faleceu o ex-Primeiro Ministro da Itália, Silvio Berlusconi (1936-2023), de complicações decorrentes de um tratamento de leucemia. Berlusconi, empresário do ramo de telecomunicações, ex-dono do time de futebol, AC Milan, e com diversos outros negócios, parte do conglomerado Finnivest, foi um dos homens mais ricos do mundo. Em 1994, quando já contava próximo dos 58 anos de idade, na esteira da Operação Mãos Limpas (Mani Pulite, em italiano), operação judicial que investigou os principais políticos e partidos italianos, que levou à implosão dos partidos tradicionais daquele país, veio a anunciar sua candidatura ao cargo de Primeiro-Ministro, com a criação do seu partido próprio, Forza Italia, que veio a dominar a política italiana por anos subsequentes.

Belusconi, que para muitos analistas é considerado o pai do populismo moderno de direita, muito baseado na figura do outsider na política, que em grande parte serviu para as eleições de Donald Trump, nos EUA, em 2016 (igualmente empresário, que até então jamais havia ocupado cargo público), veio a se tornar figura seminal na política italiana em anos subsequentes. Tendo mudado com seu jeito extravagante, não apenas a política italiana como um todo, mas com seu grupo midiático, a própria mentalidade dos italianos, quanto a questões como corrupção e personalismo na política.

Berlusconi ocupou em terceiro lugar por mais tempo o cargo de Primeiro Ministro da Itália Moderna (atrás de Benito Mussolini e Giovanni Giolitti), tendo anteriormente à entrada na vida política mantido extensa relação com o mundo político, a exemplo da amizade com o líder do Partido Socialista Italiano, Benito Craxi, investigado na Mani Pulite, padrinho de seu segundo casamento e de uma de suas filhas, e que veio a morrer em exílio na Tunísia.

Berlusconi que durante os seus três governos (1994 a 1995; 2001 a 2006; 2008 a 2011), foi bastante investigado por juízes e magistrados, que acusava de “comunistas”, e envolto em escândalos pessoais, como envolvimento com mulheres bem mais jovens, que inclusive levou ao seu segundo divórcio (escândalo conhecido por Bunga Bunga), bem como inabilitado de lidar com a crise econômica que afligiu a Itália, na esteira da Crise Hipotecária Norte-Americana de 2008, veio a renunciar por pressão, igualmente dos então presidente da França, Nicolas Sarkozy e Chanceler da Alemanha, Angela Merkel, então líderes da Zona do Euro, como mostrado no documentário My Way: Silvio Berlusconi (Meu Caminho: Silvio Berlusconi).

Após um relativo período de ostracismo, Berlusconi, que veio a ser condenado, após sua saída do cargo, por pagar serviços de prostituição com menores e abuso de poder, veio a posteriormente ter suas condenações anuladas, recuperar parte de seu prestígio político, e se eleger para o cargo de Membro do Parlamento Europeu, em 2019, e posteriormente Senador da República Italiana, em 2022, tendo sido instrumental no apoio à eleição da atual Primeira-Ministra da Itália Giorgia Meloni, do Partido Fratelli d’Italia (Irmão da Itália), considerado por muitos analistas como de extrema-direita.

Em razão de seu falecimento, seguem algumas anotações desenvolvidas pelo Grupo de Estudo Estado e Poder, liderado pelos Professores Olavo Caiuby Bernardes e Luiz Philipe de Oliveira, sobre pontos em comum entre a Operação Mani Pulite na Itália, que o investigou, e que muitos consideram que ele ajudou a extinguir, e a Operação Lava Jato, no Brasil (o próprio Sérgio Moro, ex-juiz federal, ex-Ministro da Justiça e atual Senador pelo Paraná, escreveu artigo sobre aquela Operação, enquanto magistrado, “Considerações Sobre a Mani Pulite”, além de ter escrito o prefácio da edição brasileiro do livro, “Operação Mãos Limpas”, organizado pelo jornalista italiano Giovanni Barbacetto).

 

b) Pontos em Comum e Pontos em Desacordo entre a Mani Pulite, na Itália, e Lava Jato, no Brasil

Pontos em Comum

1)      A Lava Jato e a Mani Pulite ocorreram por haver uma colaboração muita estreita entre o Ministério Público/Acusação e os Juízes/Tribunais. No caso da Itália, isso ocorreu por serem membros da mesma carreira, no caso do Brasil, por juízes e promotores federais (Procuradores) e a Polícia Federal, terem resolvido diferenças históricas.

2)      A Lava Jato e a Mani Pulite tiverem como estratégia a manutenção de prisões preventivas, para obterem delações, além de manter um forte apoio da opinião pública, em algumas situações com vazamentos seletivos à mídia, se necessário.

3)      A Lava Jato e a Mani Pulite não conseguiram mudar a cultura política de seus países, por ter havido uma forte contrarreação de setores investigados, mudança de lei e de jurisprudência, que impediram o prosseguimento das investigações e manutenção de suas táticas, como o uso de prisão preventiva, para a obtenção de delações, ou mesmo a homologação dessas delações.

4)      A Lava Jato e a Mani Pulite surgiram pois as circunstâncias históricas que impediram anteriormente seu surgimento, foram suspensas, no caso da Itália, o fim da Guerra Fria, o que permitiu a investigação dos partidos que representavam o status quo da época, em particular a Democracia Cristã e o Partido Socialista Italiano, com o apoio da imprensa tradicional que antes temia a ascensão do Partido Comunista Italiano, e, no caso da Lava Jato, um sentimento anticorrupção, que teve ápice pouco antes com as Jornadas de Junho, e a possibilidade de nova legislação, como a aprovação de Lei de Delação Premiada, em agosto de 2013, surgindo seis meses antes do início daquela operação, e a mudança de jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, permitindo a prisão em segunda instância, logo no início daquela operação.

5)      A Lava Jato e a Mani Pulite criaram espaço para o surgimento de políticos e partidos muito mais personalistas e populistas, o que trouxe uma rejeição à política tradicional, vista como parte do establishment.

Pontos em Desacordo

1)      A Lava Jato, ao contrário da Mani Pulite, no início dos 90, surge num cenário bem mais polarizado, com a existência de redes sociais, em ano de eleições presidenciais, e por sua natureza (escândalos na Petrobrás), acaba investigando sobretudo o partido no poder e seus aliados. Desde o início, a despeito de grande apoio, não teve o apoio unânime que a Mani Pulite teve, sendo desde sempre considerada uma operação parcial e partidarizada.

2)      A Lava Jato, ao contrário da Mani Pulite, teve desde o início alegações de ilegalidade, como a suspeição do Juiz Sérgio Moro, e a incompetência da Justiça Federal de Curitiba para julgar o feito, visto a competência do foro por prerrogativa de função, inexistente na legislação italiana, no que concerne à investigação de políticos com mandatos eletivos, as empreiteiras envolvidas terem sede sobretudo em São Paulo, a Petrobrás, sede no Rio de Janeiro. Sendo assim, houve inúmeros pedidos de suspeição e fatiamento do processo que levaram ao fim ao enfraquecimento daquela operação.  

3)      Se a Mani Pulite investigou todos os partidos italianos tradicionais, esquerda, direita e centro, a contrarreação do status quo foi igualmente mais agressiva. Com a eleição do empresário e magnata da mídia, Sílvio Berlusconi, vendido como um outsider da política, a despeito de todas suas conexões políticas necessárias para seus negócios, durante seus três mandatos, em especial em seu Segundo Gabinete (Secondo Gabinetto), com o forte apoio do Parlamento Italiano, aprovou uma série de propostas legislativas que desmantelaram o poder dos tribunais e promotores italianos para seguirem com aquelas acusações. No mais, Berlusconi usou todo seu poder midiático para manchar a reputação dos magistrati della Reppublica, a ponto que alguns, como Antonio Di Pietro, tiveram que renunciar ao cargo para se defender das acusações contra si. No caso da Lava Jato, seu desmantelamento, mais do que uma contrarreação da classe política mediante legislação, deu-se sobretudo por uma perda de apoio de setores chaves do Poder Judiciário, como no STF, com o falecimento a relator da Lava Jato naquele tribunal, Min. Teori Zavascki, bem como o fim do mandato do Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, e posterior nomeação do atual Procurador Geral, Augusto Arras, que se comprometeu a acabar com setores paralelos do Ministério Público Federal – MPF, o mais famoso, a “República de Curitiba”.

4)      A despeito de alguns dos magistrati da Mani Pulite terem após seguido carreira política, como o próprio Di Pietro, que fundou seu próprio partido (e que anteriormente havia sido convidado por Berlusconi, para ser seu Ministro do Interior, em 1994, o que recusou), nenhum atingiu o mesmo nível de notoriedade público que Sérgio Moro, juiz titular na Lava Jato, que assumiu um cargo de Ministro da Justiça, no Governo de Jair Bolsonaro, que derrotou Fernando Haddad nas eleições, o sucessor de Lula naquelas eleições. Isso reforçou não apenas a idéia de parcialidade daquela operação, como igualmente ajudou em seu desmantelamento.

5)       Ao contrário da Mani Pulite, que levou à uma destruição de partidos tradicionais da política italiana, e a ascensão de novos partidos então inexistentes, ou marginais à política italiana, como o Movimento 5 Stelle e o Lega Nord, além do próprio Forza Italia, de Silvio Berlusconi;  no Brasil, pós-Lava Jato, as eleições de 2018 e 2022 demonstraram uma maior fragmentação partidária com o surgimento de novos agentes políticos, de movimentos de rua (Vem Pra Rua, MBL, etc.), e entidades ligadas à setores empresariais/fundos cívicos (RAPS, Renova Brasil, etc.), elegendo-se por partidos tradicionais, salvo a criação do Partido Novo.

 

c) Sobre Berlusconi e Mani Pulite:

Em português – BBC Brasil – Bilionário, extravagante e colecionador de escândalos:  quem foi Silvio Berlusconi – https://www.bbc.com/portuguese/articles/cv2r9jgmgk0o

Em inglês – Reuters – Silvio Berlusconi obituary: former Italian PM brought burlesque to politics – https://www.reuters.com/world/europe/billionaire-berlusconi-brought-burlesque-italian-politics-2023-06-12/?utm_source=Sailthru&utm_medium=Newsletter&utm_campaign=Daily-Briefing&utm_term=061223

Estadão – Mãos Ainda Sujas - https://www.estadao.com.br/alias/maos-ainda-sujas/

Conjur – Operação mão limpas não diminuiu a corrupção, afirmam juízes italianos – https://www.conjur.com.br/2016-mar-27/operacao-maos-limpas-nao-diminuiu-corrupcao-dizem-juizes-italianos

 

e) Bibliografia essencial (Sobre Populismo, Corrupção, Lava Jato, Mani Pulite):

ABRANCHES, Sérgio Henrique Hudson de. Presidencialismo de coalizão: o dilema Institucional brasileiro. Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro. Vol. 3, n. 1, 1988, p. 5-34.

ARISTOTELES. A Política - Col. Clássicos Para Todos. Ed. Nova Fronteira: Rio de Janeiro, 2017

BARBACETTO, Gianni; TRAVAGLIO, Marco; GOMES, Pete. Operação Mãos Limpas. Citadel Editora: Porto Alegre. 2016.

BARROS, Caio Carvalho Correia; BERNADES, Cristiane Brum. Populismo No Brasil Contemporâneo: Uma Análise De Discursos De Lula E De Bolsonaro. Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho GT1 - Comunicação e democracia do VIII Congresso da Associação Brasileira de Pesquisadores em Comunicação e Política (VIII COMPOLÍTICA), realizado na Universidade de Brasília (UnB), de 15 a 17 de maio de 2019.

BOBBIO, Norberto. A teoria das formas de governo. Editora Universidade de Brasília, Brasilia, 2010

BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco; Dicionário de política, trad. Carmen C, Varriale et ai.; coord. trad. João Ferreira; rev. geral João Ferreira e Luis Guerreiro Pinto Cacais - Editora Universidade de Brasília: Brasília,1998.

BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Trad. Fernando Tomaz. Difel Lda.: Lisboa, 1989 DE CLEEN, Benjamin. Populism and Nationalism: The Oxford Handbook of Populism. Ed. Oxford Universitary Press: Oxfordshire, 2017.

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