Faz bastante tempo que não uso esse blog pessoal,
porém hoje minha bisavó, Yeda, faleceu aos 102 anos (iria
completar 103 anos, mês que vem), e creio que ela merece essa singela homenagem.
Ela nasceu em junho de 1914, em Belo Horizonte. No
cenário mundial, viveu as duas grandes guerras mundiais (1914-1918) e
(1939-1945), a ascensão do comunismo, em 1917, a ascensão do fascismo, em 1923,
a ascensão do nazismo, em 1933, a queda de ambos os regimes em 1945 (porém não,
infelizmente, do comunismo), o período de descolonização africano e asiático,
pós Segunda Guerra e a Guerra Fria, a construção do Muro de Berlim, em 1961,
mais recentemente a queda do mesmo Muro, em 1989, e finalmente o esfacelamento
do Império Soviético, em 1991.
No Brasil, presenciou a República Velha (1889-1930), o
Movimento Tenentista em 1922, e posteriores contestações àquele regime, a
Revolução de 1930, o Integralismo, a Intentona Comunista, o Estado Novo, de
1937 a 1945, a República Liberal Popular, de 1945-1964, com figuras como JK,
Jango, Jânio Quadros e Carlos Lacerda, o Regime Militar, de 1964 a 1985, cinco
constituições (1934, 1937, 1946, 1967, 1988), e a nossa frágil democracia desde
então...
Para as feministas de plantão, do tipo "meu
corpo, minhas regras", ela, uma mulher então estonteante (até o final da
vida, bastante elegante), foi a primeira mulher a se divorciar no estado de
Minas Gerais, na época um verdadeiro escândalo, isso em plana década de 40, feito
pelo qual ela não teve nenhum apoio da sociedade local belo-horizontina, o que
a levou a ter que se mudar para o Rio de Janeiro e posteriormente São Paulo.
Teve que se sustentar na época e criar uma filha, minha avó, com seu próprio
trabalho, no caso uma confecção de roupas. Gerou empregos, como pequena e média
empreendedora, e nunca dependeu de ninguém (posteriormente teve um outro filho,
já adulto, com filhos também adultos).
Ademais, foi modelista, e uma das primeiras
brasileiras a estudar moda em Paris, já adulta. Seu amor pela França e pela
"haute-culture" francesa era tamanho, que deu nomes franceses aos
dois filhos que teve, Christian Jacques e Adrienne. Até hoje nossa família é
ligada culturalmente à França, e a agradeço por isso.
Deu aula de alta costura (ou,
"haute-couture", como se dizia à época), cujo ateliê era na Avenida
Higienópolis. Ela foi responsável por toda a criação e modelagem da TAY
Confecções, sediada no Itaim Bibi ("Y", naturalmente, de Yeda).
Teve filhos, netos, bisnetos e agora, já ao fim da
vida, trisnetos (minha filhinha... )
Sei que todos vamos morrer um dia, e espero que minha
bisavó esteja num local melhor (como espírita que era, adepta de Allan Kardec, ela
seguramente acreditava nisso), porém é triste os que nos deixam, com sua
memória, e mais triste ainda que pessoas que viveram durante um período
altamente crucial e cheio de extremos para a história da humanidade, que foi o
Século XX (o século onde mais morreu gente em toda a história da humanidade)[1] estejam nos deixando, ou já nos deixaram faz um bom tempo (em alguns casos há
mais de vinte anos). Não podemos mais estar com essas pessoas, para nos
contarem histórias e nos fazerem companhia.
Rezo e penso na minha bisa, pois eu gostava muito
dela, e sei que ela gostava de mim. Algo que nunca lhe faltou foi coragem para
tomar suas próprias decisões e respeito gente assim...
[1] Recomenda-se,
a Era dos Extremos: o breve século XX, 1914–1991, do
historiador britânico, Eric Hobsbawm.