Recentemente o governo do prefeito Fernando Haddad, eleito há menos de um ano em São Paulo, resolveu criar centenas de faixas exclusivas para ônibus (e proibir táxis de transitar nelas). A despeito da necessidade de medidas do tipo, principalmente para desestimular o uso de carros, acreditamos que a mesma não obterá o alcance desejado em médio prazo, e temos dúvida em relação ao longo prazo.
Ressaltamos, inicialmente, que, historicamente,
o governo brasileiro fez opção equivocada em relação ao transporte público.
Houve opção histórica pelas estradas, ruas e avenidas em nosso país e, por
consequência, ao carro e à indústria automobilística.
Já declarava o ex-presidente Washington Luís na
década do século passada que “governar é construir estrada”.[1]
E de fato, todo presidente do período republicano após Luís, inclusive Getúlio
Vargas, que o depôs, demonstrou forte tendência a uma política
desenvolvimentista voltada a construir estradas para a integração do país.[2]
Ou nas palavras de alguns, “para cortar o país”. Destacamos, durante o período
democrático do país (1946-1964), a criação da BR-116, rodovia que famosamente
corta o país de norte a sul e a criação de diversas medidas governamentais para
a construção de “estradas de penetração”, como o Fundo Rodoviário Nacional.
O crescimento das estradas, que se acelerou com
o governo de Juscelino Kubistchek (1956-1961) e a instalação das grandes
montadoras estrangeiras, foi ainda mais acelerado durante o Regime Militar
(1964-1985). Durante o governo dos generais e marechais brasileiros, grande
obras como a Transamazônica, a Ponte Rio-Niterói, a Transpantaneira
(incompleta), a BR-101 (cortando o litoral sul do país até o litoral nordestino),
foram iniciadas.
O objetivo daquela obras, seguindo a então
vigente Doutrina de Segurança Nacional, organizada através do Plano de
Integração Nacional (PIN), foi, como o próprio nome indica, integrar o país. Os
militares utilizavam termos como "integrar para não entregar" e "uma terra sem homens para
homens sem terra" para realçar a necessidade de se trazer desenvolvimento
e poavamento às mais diversas regiões do país e, assim, não permitir que estas
caíssem em mãos estrangeiras. Tanto no governo de JK, quanto dos
militares, vários Planos Nacionais de Viação (PNVs) foram postos em prática.
É evidente que durante a história do Brasil, tanto como Império, quanto
como República, houve investimento em outras formas de transporte como a
navegação de cabotagem, o transporte ferroviário e aéreo. Entretanto,
especialmente a partir do século XX, houve investimento predominante na
indústria rodoviária e automobilística, com reflexos no presente.
Podemos citar como principal reflexo o chamado “Custo Brasil”, termo utilizado para se referir ao custo da exportação de
nossos produtos, que ocorre, em geral, por caminhão, por estradas e rodovias, estas
muitas vezes mal sinalizadas e conservadas (algumas, em alguns grotões do país,
inclusive não pavimentadas), adicionando o preço da gasolina ao frete.
Isso sem mencionar os altíssimos índices de acidentes e mortes que ocorrem
em estradas brasileiras, principalmente em véspera de feriados, ceifando a vida
de significativa parte de nossa população, em especial a juventude.[3]
E as cidades? Bem, as cidades refletem essa política de prevalência do
veículo automotor ao invés do tranporte coletivo, associado a outro
poderosíssimo grupo de impacto econômico e político: as empresas de construção
civil.
Em diversas metrópoles brasileiras, o concreto passa pelo planejamento
urbano, destruindo a harmonia entre o homem e a natureza, visando abrir mais
espaço para ruas e avenidas. O investimento em transporte sobre trilhos nas cidades
brasileiras (metrô e trem) sempre foi insuficiente e até hoje poucas capitais
possuem transporte ferroviário, sempre de pouca extensão, apesar de em muitos
casos, como São Paulo, de boa qualidade.
Para reforçarmos o argumento de prevalência do concreto sobre o espaço
urbano, em São Paulo, podemos mencionar que o Rio Ipiranga, onde D. Pedro I
proclamou nossa independência às suas margens, não existe mais, tendo sido
soterrado por concreto para a construção de avenidas. Nesse mesmo sentido, as
Marginais Pinheiros e Tietê não foram bem planejadas, não respeitando o espaço
de vazão dos rios em época de chuva, ou inclusive suas curvas naturais (os rios
Pinheiros e Tietê, por exemplo, foram em diversos trechos canalizados).
Desnecessário dizer o descaso com a preservação do patrimônio histórico
nacional, ressaltado no fato que, independente de qualquer outra coisa, ainda somos
um país com alto grau de pobreza e miséria, onde preocupações com o meio
ambiente, a cultura e o patrimônio histórico, ainda podem ser vistas como
secundárias, posto que muitos têm como preocupação essencial conseguir seu
alimento diário. O próprio planejamento
da cidade se faz presente em detrimento do patrimônio histórico, visando a
construção de novos prédios e negócios.
Portanto, após extensa digressão histórica e cultural, podemos concluir que
os paulistanos simplemente não vão abandonar carro, porque durante décadas,
praticamente um século, estão acostumados a utilizarem veículos automotores
próprios. Nesse sentido, carro traz mais conforto: ainda que o indíviduo fique
duas horas parado no trânsito, está dentro de seu veículo ouvindo música, com
ar-condicionado, ao invés de ficar de pé num ônibus lotado sem ar-condicionado
(por experiência podemos afirmar que muitos ônibus em São Paulo nem sequer
ar-condicionado possuem, isso num país de clima tropical).
Carro, portanto, representa status. Afinal, se realmente adentramos num
país de classe média nessa última década, onde muitos finalmente podem adquirir
itens que não podiam adquirir antigamente, como um veículo automotor, onde a
desigualdade supostamente diminuiu principalmente através do consumo – e não
devido a reformas estruturais essenciais, como a reforma da educação e a
reforma tributária – parece-nos normal que as pessoas desejem adquirir seu
veículo automotor zero.
Sobretudo, quando o governo federal, cujo partido no poder é o mesmo do
Senhor Prefeito, reduz ou zera o IPI para veículos automotores, medida visando justamente
auxiliar a indústria automobilistíca nesses tempos de desaceleração da
economia.
Parece-nos, no mínimo, políticas contraditórias, que se contrapõem e se
anulam. Seria, em palavras chulas, como dar liberdade a um cachorro,
permitindo-lhe correr por largos campos, mas dando-lhe um choque elétrico numa
coleira com controle remoto cada vez que ele decida fazer isso. Não nos toca
como producente.
Ademais, conforme argumentamos, carro próprio representa status e, mais
ainda, exclusividade. Infelizmente vivemos num país e – no caso de São Paulo – numa
cidade, que, a despeito de nunca ter havido tantos cidadãos adrentando na
classe média nos últimos dez anos, ainda existe muita pobreza, miséria e crime.
(Indagamos-nos: será que, afinal, tantos brasileiros entraram na classe
média? E se entraram, será que crime não está associado com outros fatores, como
valores éticos e familiares, uso de drogas e a falência dos órgãos do Poder
Público em cumpriram seu papel, não predominantemente pobreza, como defendem
alguns setores da esquerda?)
Voltando ao argumento da
criminalidade gritante – que muitas vezes é um fator psicólogico –, o sujeito
não anda na rua, não pega metrô, ou ônibus, porque crê que algo vá acontecer a
ele, ainda que naquele momento nada vá ocorrer, nem exista qualquer
possibilidade disso (podemos, novamente, argumentar este ponto por experiência
própria, já que, quebrando a barreira da terceira pessoa, este autor foi assaltado
algumas vezes, em alguns casos quando estava dirigindo, em outras não, porém,
atualmente não dirige e não deixa de andar na rua, pegar ônibus, metrô, etc.,
sempre – usando o jargão popular – com um olho nas costas).
Andar na rua, acima de tudo, significa exposição, muita exposicão. Especialmente
se o sujeito é casado, tem filhos, uma carreira estabilizada, usa terno e
gravata para trabalhar... Mais uma vez, por experiência própria, andar nas ruas
das grandes cidades brasileiras, usar transporte púbico, em especial São Paulo
(foco do nosso artigo), é todo dia estar sujeito a ser abordado por miseráveis, mendigos,
pedintes, drogados, vendedores ambulantes (no caso de mulheres, em alguns
casos, por homens fazendo cantadas ofensivas), e, infelizmente, em algumas
ocasiões, por criminosos.
Por último, entendemos que o foco do Senhor Prefeito Fernando Haddad em
criar mais faixas de ônibus exclusivas está equivocado.
Primeiro, porque se havia algo de positivo nelas, é que, ainda que se
diminuissse o espaço para carros nestas podiam transitar táxis com passageiros.
Muitos abandonavam os carros, pois tinham a opção de poder utilizar táxis
nessas faixas. O que era vantajoso para todos, e diminuía o número de carros
em circulação, ainda que não beneficiasse exclusivamente as empresas de
ônibus (será que esse é o objetivo da prefeitura?). A prefeitura chegou a
suspender a permissão para que taxistas com passageiros transitem nessas faixas
e já ameacou não renová-la, o que atualmente está em estudo.[4]
Segundo, porque se há algum transporte público que tem que se investir é o
metrô e transporte sobre trilhos (a exemplo do trem urbano). É caro, demorado,
trabalhoso, não rende tantos votos (pois em geral é feito embaixo do solo),
porém o único que pode eventualmente convencer os paulistanos a abandonaram
seus veículos, a despeito do forte incentivo para se adquirir um veículo automotor e da situação de insegurança que vive a cidade e o
país.
Ademais, o transporte ferroviário, em especial o metrô, já que gostamos de
nos comparar com os chamados “países desenvolvidos”, é o mais adotado naqueles países.
É neste que o prefeito de Nova Iorque, o Primeiro Ministro do Reino Unido,
entre outros políticos, costumam transitar. Por que nosso prefeito não dá o
exemplo e começa a ir todos os dias, ele, seus assessores e secretários, para o
trabalho de metrô e ônibus? Não apenas um dia, por vinte minutos, cercado de seguranças
e repórteres como recentemente veio a ocorrer, porém todos os dias, para ir e
voltar do trabalho, para ir em todos os eventos oficiais da prefeitura.
E não vale cortar caminho e pegar táxis, pois estes não podem transitar na
faixa exclusiva de ônibus, o que fará que custem uma fortuna, fatura paga,
naturalmente, com o dinheiro do contribuinte paulistano.
Sites Consultados
[1] Interessante observar que a
primeira rodovia pavimentada do Brasil, a Rio-Petrópolis, em 1928, ocorreu
durante o Governo de Washington Luís (1926-1930)
[2] Durante o Governo Vargas
(1930-1845), foi criado Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER), em
1937, que veio a ser substituído pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de
Transportes (DNIT) em 2001.
[3] Apesar do número de acidentes
em estradas esse ano, segundo as mais diversas publicações e índices terem
caído, infelizmente, dia 22.12.2013, um domingo, próximo do Natal, acidentes de ônibus na Régis
Bittencourt ceifou a vida de 16 pessoas, triste realidade que se repete todos
os anos em nosso país, principalmente em época de festividades.