Acaba de estrear na Netflix Amistad, de 1997, do Diretor Steven Spielberg (diretor de A Lista de Schindler), caso que chegou à Suprema Corte dos EUA - United States v. Schooner Amistad (1841).
O caso envolve a escuna espanhola La Amistad (“A Amizade”), que praticava o tráfico negreiro do continente africano para as colônias nas Américas, então pertencentes ao Reino da Espanha (em particular, Cuba), e que foi apreendido em costa norte-americana por sua Guarda Costeira (U.S. Coast Guard), após um levante de homens escravos originários da tribo Mende, do que seria hoje Serra Leoa, liderados por Cinque (interpretado pelo ator Djimon Hounsou).
A questão central da discussão é se referidos homens seriam propriedade pertencente aos donos do navio, ou ao Reino da Espanha, à época governado pela Infanta Isabela II (interpretada por Anna Paquin), com o qual os EUA possuíam relações diplomáticas e tratados internacionais, ou homens livros capturados ilegalmente na África. Em seu pleito, o Reino da Espanha conta seu Embaixador para os EUA, e conselheiro real, Ángel Calderón (interpretado por Tomas Milian).
A tese em prol dos africanos, conforme defendida pelo ambicioso advogado de Direito Imobiliário, Roger S. Baldwin (interpretado por um então pouco conhecido ator, Matthew McConaughey, hoje oscarizado) é de que seriam homens livres, ao não terem nascido em Cuba, colônia espanhola, e sim na África.
O caso chegou à um país historicamente com uma relação difícil com questões raciais, com uma região norte mais industrializada, e em geral contra a prática, e um sul baseado mais em mão de escravagista, o que ao fim levou ao Guerra de Secessão/Guerra Civil Norte-Americana (1861-1865), vencida pela União (estados do norte), contra a Confederação (estados confederados dos sul), o que levou à Promulgação da 13ª Emenda à Constituição Norte-Americana e o fim da escravidão naquele país (fato narrado em outro filme de Spielberg, Lincoln, de 2012).
Nesse sentido, o Governo do então oitavo Presidente dos
EUA, Martin Van Buren (1837-1841) (interpretado por Nigel Hawthorne),
em busca da reeleição e não querendo desagradar os estados sulistas, junto ao
seu então Secretário de Estado, John Forsyth (interpretado por David Paymer)
(cargo equivalente ao de Ministro de Relações Exteriores no Brasil), endossou a
causa da Espanha em tribunais norte-americanos e inclusive recorreu à Suprema
Corte dos EUA (daí a razão de um dos pleiteantes ser o Governo dos EUA).
Baldwin se cerca da ajuda do ex-presidente e
congressista John Quincy Adams (1825-1829) (interpretado por Anthony Hopkins,
em magnifica interpretação indicada ao Oscar de Ator Coadjuvante), jurista gabaritado,
linguista, e abolicionista não assumido, para ajudá-lo com argumentação
jurídica perante tribunais superiores. Quincy Adams era filho de John Adams,
segundo presidente dos EUA(1797-1801), e um dos pais fundadores (founding
fathers), da nação norte-americana, um dos que ratificaram a Constituição
dos EUA, de 1787, ainda em vigor.
Ademais Baldwin contou com
a ajuda do ex-escravo, empresário e abolicionista, Theodore Joadson (interpretado por Morgan Freeman), que o
contratou para o trabalho e auxiliou na construção do caso.
O filme, que foi indicado a quatro
Oscars à época, é belíssimo manifesto em prol da liberdade, direito inerente
à todos os seres humanos, conta ainda com grande elenco internacional,
incluindo Pete Postlethwaite,
Stellan Skarsgård, Chiwetel Ejiofor e Peter Firth. Recomenda-se, nota 10/10!
Por fim, faz-se
interessante observar que a Inglaterra, que era historicamente contra a prática
de tráfico negreiro, e já patrulhava águas internacionais à época (fato narrado
no filme), veio a passar alguns anos depois, em 1845, o Alberden Act,
lei que a autorizava à sua poderosa Marinha apreender navios com cargas
humanas, em alto mar. Por pressões inglesas, que o Brasil historicamente o país
que mais se beneficiou de mão de obra escrava africana (40% do volume total),
veio a passar a Lei Eusébio de Queiroz, em 1850, proibindo a prática de tráfico
de escravos africanos, mas mantendo a escravidão no país e sendo complacente
com a prática, o que gerou o ditado popular “lei para inglês ver”.
Amistad (1997) - https://www.adorocinema.com/filmes/filme-16168/