(Trabalho apresentado para a disciplina de Política Brasileira, do Programa de Pós Graduação em Ciência Política da UFPA, em 2014, no qual foi atribuído "Excelente")
De fato, é possível entender a crítica que Campos faz à excessiva
interferência do Estado em todos os aspectos da vida econômica nacional. Se há
um fato de crítica para todos os liberais brasileiros é a excessiva burocracia
e tributação para os membros da classe empresarial. Nas palavras do antropólogo
Roberto da Matta, o Brasil é uma República cartorária, onde os principais atos
da vida do cidadão e da empresa dependem de um carimbo do Estado. Recentemente,
ao ser perguntado o que os empresários desejam do governo, Abílio Diniz, dono
do Grupo Pão de Açúcar declarasse que desejava apenas que o governo não interferisse
no setor e os deixasse trabalhar.
Sabemos que na realidade em nosso país, não é exatamente assim. Por mais
que os empresários reclamem (com justeza) contra o excesso de tributação e
especialmente o excesso de burocracia – o Brasil é considerado a nação onde
empresas gastam mais horas para cumprirem suas obrigações perante o Fisco –,
historicamente a relação entre capital privado e setor público sempre se deu
com enorme proximidade, muitas vezes de forma nebulosa, para não dizer
promíscua (basta analisar a questão do financiamento de campanha por grandes
corporações privadas à candidatos e partidos absolutamente diversos).
Historicamente, a industrialização no Brasil se deu de forma tardia,
tendo a indústria de base se dado a partir da década de 30, Era Vargas, não
apenas com apoio do Estado, mas por iniciativa do próprio Estado. A
industrialização de bens de consumo duráveis (eletrodomésticos, automóveis),
também conhecida como indústria de substituição de importações, teve seu ponto
forte inicial durante o Governo JK, aliando o tripé Estado/Capital Nacional/Investimento
Estrangeiro.
Anteriormente ao período citado (década de 30) havia focos pontuais de
industrialização no país, porém especialmente para produtos de bens de consumo
não-duráveis, como tecidos, produtos de limpeza, etc. Entre figuras conhecidas
podemos citar o Conde Francisco Matarazzo, industrialista italiano, que se
estabeleceu na região de São Paulo, e que era no início do século XX, o homem mais
rico do país (“pensa que sou o Matarazzo?”, era o que pais de família
costumavam dizer aos seus filhos, quando pediam algum mimo excessivo),
dizendo-se na boca pequena que as Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo,
teriam 365 fábricas, uma para cada dia do ano.
Outro foco de industrialização importante, de forma isolada, veio ocorrer na
segunda metade do século XIX, a chamada Era Mauá, representada por sua
figura maior Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá. Mauá, que igualmente
se tornou o homem mais rico do país à época, desafiou o status quo brasileiro, tendo fortuna superior ao próprio orçamento
do Império, o que gerou fortes intrigas por parte de seus opositores, em grande
parte colocados em altos cargos da burocracia brasileira.
Para se entender a ascensão
de Mauá, no Brasil da época, país agrário, com modelo econômico baseado na
monocultura de exportação e escravista, faz-se interessante mencionar dois
fatos sociais que indiretamente auxiliaram os negócios de Mauá. Um, foi o
advento da Lei Eusébio de Queiroz em 1850, que aboliu o tráfico de escravos,
gerando um capital excedente que pode ser aplicado na indústria; outro, a Tarifa
Alves Branco que aumentou significativamente as tarifas brasileiras de
importação de produtos estrangeiros e que, se teve por intenção primordial
aumentar as receitas do Império e acabou por auxiliar a parca industrialização
brasileira, da qual Mauá era seu principal representante.
O Barão (futuro
Visconde) de Mauá tornou-se influente banqueiro, empresário e industriário e
principalmente no setor de logística e infraestrutura (ferrovias, navegação de
cabotagem, cabos submarinos, projeto de iluminação a gás da cidade do Rio de
Janeiro...).
Entretanto, fortes pressões contrárias da burocracia estatal à sua
atividade – para muitos no poder da época, o Brasil devia ser um país um país
agrário de mão de obra escravagista e consideravam arrogante a postura de Mauá,
abolicionista convicto e empresário dinâmico, de contestar o modus operandis da época – e da
produtores concorrentes estrangeiros (sobretudo os ingleses) levaram Mauá à
falência (episódio significativo foi a revisão da Tarifa Alves Branco – Tarifa
Alves Ferraz). O grande empresário conseguiu ainda em vida quitar todas suas
dívidas e terminou sua vida com renda confortável trabalhando com corretagem de
café, porém seu império empresarial foi totalmente esfacelado.
Após o sopro de modernidade (e declínio) da Era Mauá e a despeito da
Abolição da Escravidão, em 1888 e da Proclamação da República, em 1889, o país manteve
seu sistema econômica mais ou menos estável, grandes latifúndios, especialmente
de café, mas também da borracha, cacau e cana de açúcar, entre outros produtos
de menor importância, voltados especialmente para a exportação, mão de obra se
não escrava, agora semi-escrava (escravidão por dívida, como foi o caso da
recente mão de obra importada da Europa e do Japão no sudeste e da mão de obra
nordestina nos seringais da Amazônia) e forte dependência de importações e do
capital externo (a respeito, recomendamos História Econômica do Brasil, do
historiador e economista marxista Caio Prado Júnior).
Como observa Caio Prado, em sua obra, a dependência do café como
principal produto de exportação era tamanha, que o governo da República Velha
(1889-1930) tinha por política econômica oficial, comprar e queimar sacas de
café excedentes, para manter preço internamente alto e grande demanda no mercado
internacional, produções prática que inclusive se estendeu com Getúlio Vargas,
após a Revolução de 1930 (mencionado em De Getúlio a Castelo, de Thomas
Skidmore).
Quanto à estrutura social do país, essa se manteve essencialmente
agrária, com um povo mestiço ou pardo, analfabeto, ou semi-analfabeto, alheio
aos processos decisórios. A população negra foi essencialmente deixada de lado,
não integrada à sociedade de consumo brasileiro e na roça substituída em grande
parte pela mão de obra europeia e japonesa. As manifestações de
descontentamento popular durante a República Velha, como a Revolta da Chibata e
a Revolta da Vacina, eram tratadas pelas autoridades competentes como
selvageria e não manifestações legítimas de um povo insatisfeito.
Esse tema foi
magistralmente tratado no Os Bestializados, do historiador e cientista social
mineiro José Murilo de Carvalho. Sobre a escravidão e seus efeitos perversos
para a nação, recomendamos O Abolicionismo, do político, diplomata e
abolicionista pernambucano, Joaquim Nabuco.
Se pegarmos a obra de Oliveira Viana, Instituições Políticas Brasileiras
e outras, perceberemos que o autor, em sua preocupação de entender o que forma
o espírito brasileiro, entende ser o modelo político brasileiro da República
Velha desprovido do povo, de um sentido de nação (José Murilo de Carvalho também
conclui nesse mesmo sentido em relação ao Período Imperial, em A construção da
ordem: a elite política imperial e Teatro de sombras: a política
imperial).
Nesse sentido, basta perceber-se as inúmeras revoltas
separatistas regionais ao Poder Central, durante o Período Regencial, não reconhecido como legítimo e representante
de toda a nação.
Oliveira Viana por entender ser o modelo político-jurídico brasileiro
imposto de cima para baixo, vislumbra este sem legitimidade popular. Para o autor, as leis são
criadas pelo Poder Central, não por vontade popular, sendo assim, dentro do
espírito integralista-fascista da época, Viana defendia um Estado forte,
interventor, independente das oligarquias rurais regionais.
Esse conceito de Estado forte, defendido por Viana, faz-se interessante
para se entender o processo de industrialização que ocorreu no Brasil. Após o
fim da República Velha e a queda da política do café com leite, onde
oligarquias rurais de Minas Gerais e São Paulo se dividiam no poder, a
industrialização começou a ocorrer de fato no país, detalhe, por intervenção direta
do Estado não, por iniciativa expressa da burguesia nacional, esta por demais
conservadora e cautelosa e sem grandes montas de capital nacional para
promover a industrialização por própria conta. Até então, como anteriormente
mencionado, havia uma indústria pontual, concentrada especialmente na região de
São Paulo, de bens não duráveis.
Interessantemente, como da ocasião do fim do tráfico negreiro e da crise
de mão de obra escrava, que em parte proporcionaram capital excedente para que
Mauá prosperasse em seus negócios, foi o Crash da Bolsa de Nova Iorque em 1929,
que proporcionou uma industrialização, ainda que forçada, do Brasil.
Com a falência
do sistema financeiro a queda brusca por demanda de
produtos agropecuários brasileiros no mercado internacional, em especial o
café, o sistema político-econômico da República Velha, simplesmente ruiu e
com ele as velhas oligarquias no poder. A Revolução de 1930, liderada por
oligarquias de estados marginais ao processo político (como foi o caso de
líder, Getúlio Vargas, ex-governador do Rio Grande do Sul, e candidato à
presidência derrotado por Júlio Prestes, paulista, nas eleições de 1930) e por
militares descontentes com o processo político e social em vigor
(especialmente, militares de média patente, os tenentes), a Revolução sem um
projeto claro de país no Brasil, com exceção do um rechaço tudo que estava aí
(a respeito, recomendamos a obra de Skidmore).
Como famosamente defende o economista Celso Furtado em sua mais
conhecida obra, Formação Econômica do Brasil, a industrialização do país se deu
especialmente por dinheiro excedente do mercado do café, dinheiro que não podia
mais ser aplicado para a produção daquele produto. Outro ponto, que auxiliou a
industrialização do país, especialmente a indústria de base, até então
inexistente no país, foi a Segunda Guerra Mundial e a escassez de produtos
industrializados estrangeiros.
Fenômeno similar, em menor escala, já houvera
ocorrido durante a Primeira Grande Guerra, no governo de Wenceslau Braz
(1914-1918), quando houve um pequeno surto de industrialização especialmente de
produtos não-duráveis, mas também de produtos duráveis, devido à escassez de
produtos estrangeiros no mercado brasileiro. O que diferencia, no entanto, a
industrialização em massa e com efeitos duradouros da Era Vargas (1930-1945),
da industrialização esparsa e espontânea, do período Wenceslau Braz, foi a
própria figura de Getúlio Dornelles Vargas, político nascido em 1882 em São
Borja, no Rio Grande do Sul, advogado de formação como muitos políticos de sua
geração, ex-deputado federal, ex-Ministro da Fazenda de Washington Luís (a quem
ajudou a depor) e ex-governador do estado (ou província) do Rio Grande do Sul.
Vargas, que media pouco mais de um metro e meio e visto como um político
não muito expressivo, ou particularmente carismático antes da Revolução de
1930, que o levou ao poder (a respeito recomendamos Chatô, de Fernando Morais), demonstrou ser nos bastidores, um articulista brilhante, estrategista político,
dos mais inteligentes que já existiram no país (Skidmore utiliza o termo
maquiavélico diversas vezes em sua obra, para se referir a Vargas).
O político
gaúcho simplesmente conseguiu isolar inimigos, alienar opositores, ludibriar
aliados, prometer e romper promessas, utilizar ao seu favor as oligarquias
estaduais existentes à época, descartando-as quando não era mais do seu
interesse (um exemplo da força de Vargas foi o fato de que, ao lado, ele
conseguiu ficar dezoito anos e meio no poder, até seu suicídio – uma jogada de
mestre –, como veremos mais adiante, em 1954. Para efeito de comparação, o
líder político brasileiro que mais ficou no poder no governo central, com
exceção de Vargas, foi Dom Pedro II, Imperador do Brasil por quarenta e nove
anos (1840-1889) e que tinha seu poder, conforme crença da época, derivado
diretamente de Deus, e que, sobretudo, não governava no dia a dia, deixando o
cargo para seus ministros e exercendo eventualmente o Poder Moderador).
Nacionalista convicto e ciente do perigo do discurso comunista –
especialmente para as classes trabalhadoras – Vargas se anteviu e resolveu
atraí-las para seu lado. Ao contrário do presidente deposto Washington Luís
(1926-1930), que tratava a questão social, como “um caso de polícia” (alguns
autores entendem que ele teria proferido essa frase, outros não), Vargas
percebeu enorme benefício em ter os trabalhadores, principalmente urbanos e
mais politizados ao seu lado. Uma das suas primeiras medidas, por exemplo, ao
assumir o poder, foi a criação do Ministério do Trabalho (1930), liderado
inicialmente pelo político gaúcho Lindolfo Collor (curiosamente avô do
ex-presidente Fernando Collor de Mello).
Durante o governo Vargas, o
ex-presidente e seus ministros cooptaram o nascente movimento trabalhista,
passando leis em benefício dos trabalhadores (Carteira de Trabalho, salário
mínimo, etc. – consolidadas na Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT),
criando a Justiça do Trabalho (1939), porém ao mesmo estabelecendo fortes
vínculos entre os síndicos e o governo central (no caso o Ministério do
Trabalho).
Poderia haver, por exemplo, apenas um sindicato por categoria e
todos seus representantes oficiais (pelegos) prestavam contas ao Ministério.
Quanto aos trabalhadores rurais, há época ainda maioria da população do país, esses
não foram beneficiados tanto pelas novas políticas trabalhistas de Vargas (no
final de sua vida, o presidente solicitou ao seu então Ministro do Trabalho,
João Goulart, estudar medidas a serem adotadas para beneficiar a população
camponesa, porém sofrendo pressões múltiplas da oposição e dos militares,
Vargas veio a se suicidar pouco tempo depois).
Se Vargas veio a beneficiar os trabalhadores urbanos, especialmente do
setor industrial, e porque este ampliou significativamente o parque industrial
brasileiro. A industrialização de forma maciça no Brasil se deu pelo Estado,
com pouca participação do empresariado nacional. A respeito, relembra-nos um
trecho de Chatô e Olga, de Fernando Morais, obras que cobrem, em parte, a Era
Vargas, que o ex-presidente (já então de
facto ditador, após seu auto-golpe em 1937) saiu extremamente frustrado de
reunião com o empresariado, especialmente paulista da época, pois este se recusou
e olhou com ceticismo a tentativa do ex-presidente de modernizar o parque
industrial e ampliar os direitos dos trabalhadores, medidas em grande parte,
para impedir justamente a cooptação dos trabalhadores por movimentos de
orientação esquerdista (como a Aliança Liberdade Nacional – ALN) e fascistas (a
exemplo da Ação Integralista Brasileira – ABI). “Será que essa burguesia não
percebe que eu estou tentando ajudá-los?!”, o ex-presidente teria desabafado a
um de seus assessores.
De fato, a burguesia, especialmente a paulista, onde se encontrava o
grande capital nacional, não estava disposta a ajudá-lo. Na verdade, o
empresariado e as oligarquias paulistas possuíam verdadeira ojeriza a Vargas,
muito em parte por terem sido alijados do poder político após a Revolução de
1930 (ainda por cima, o ex-presidente nomeou um interventor que não era
paulista para substituir o governador exonerado por aquele movimento), repulsa
que levou em grande à Revolução Constitucionalista de 1932, onde o estado de
São Paulo foi bombardeado por tropas governistas, pessoas residentes no estado
foram presas, mortas e exiladas.
Com o auto-golpe de Vargas em 1937, através do
Plano Cohen e ascensão do Estado Novo (1937-1945), de orientação semi-fascista,
Vargas alienou ainda mais os paulistas, por ter cancelados eleições que iriam
ocorrer em 1938 e cujo franco favorito era Armando Salles de Oliveira,
ex-interventor e ex-governador do estado de São Paulo, sócio do jornal O Estado
de São Paulo, e fundador da primeira universidade do país, a Universidade de
São Paulo (USP) em 1934.
Com o Estado Novo, houve novo modelo de gestão do poder central (perceba
que até agora não utilizamos o termo “governo federal”, por esse ser conceito
em construção no país). Até o fim do Império, o poder nacional era fortemente
concentrado no Poder Central, especialmente na figura do Imperador, que
inclusive detinha poder acima de todos os demais poderes (Judiciário, Executivo
e Legislativo), o Poder Moderador. Com a Proclamação da República em 1889 e
durante todo o período da República Velha, o poder foi extremamente
descentralizado, gerando enorme poder aos governadores e oligarquias estaduais
e regionais, o que gerou, em grande parte, o fenômeno do Coronelismo,
magistralmente exposto na obra Coronelismo, Enxada e Voto, de Victor Nunes
Leal.
A política coronelista, que perdurou até o começo do Estado Novo, e cujos
traços encontramos ainda presentes em nossa sociedade, se consolidou de fato,
durante o governo de Campos Salles (1898-1902) e sua política de troca de
favores, conhecida como Política dos Governadores.
Retomando o tema anterior, Vargas, ao trazer o Estado Novo, estabelece
novo modelo de gestão, onde a administração da República se encontrava
vinculada fortemente ao governo central, este que inclusive nomeava e exonerava
interventores nos estados da federação. As principais políticas econômicas,
inclusive industriais do período, foram decidas pela União, cabendo aos estados
e municípios cumprirem seus ditames. Um exemplo da modernização da máquina pública
durante os Anos Vargas foi a criação do Departamento de Administração do
Serviço Público (DASP), que almejava criar um funcionalismo político moderno e
competente, porém ligado ao governo federal.
Vargas durante todo seu governo, teve planos para industrializar seu
país, porém, conforme discutido anteriormente, faltava capital e poder para
tomar essas medidas. Adquirido o poder e exilado seus opositores, estes em
grande parte no exílio, ou presos (a polícia política liderada pelo temido
Filinto Müller era brutal e amplamente prendia arbitrariamente e torturava
opositores – para saber mais sobre a polícia política de Müller e a brutalidade
de seus métodos aplicados, recomendamos a seminal obra do lendário jornalista
David Nasser, Falta Alguém em Nuremberg), o ditador adquiriu capital e meios com a
entrada do país na Segunda Grande Guerra em 1942, ao lado dos EUA e aliados.
O
político gaúcho, como bom discípulo de Maquiavel, apesar de pessoalmente,
juntamente com diversos membros do seu governo, simpatizar com a Alemanha
Nazista e a Itália Fascista (sua CLT é fortemente inspirada na Carta del Lavoro
do ditador italiano, Benito Mussolini), aliou-se ao governo norte-americano de
Franklin Delano Roosevelt, no combate às tropas do Eixo, em troca de
financiamento para a construção da primeira indústria para a produção de aço no
país, a Companhia Siderúrgica Nacional – CSN -, em Volta Redonda, estado do Rio
de Janeiro), além de ter investido na ampliação da infra-estrutura nacional, com a criação da Companhia Vale do Rio Doce
(1942), e a Hidrelétrica do Vale do São Francisco (1945), entre outras (para efeitos de curiosidade, o
ex-presidente também criou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística –
IBGE -, para melhor coletar dados sobre a realidade nacional).
Como a deposição de Vargas por militares em 1945 e a retomada da
democracia, inicia-se a tumultuada República Populista Brasileira (1946-1964),
período com quatro presidentes eleitos, cabendo destacar, para efeitos de
industrialização, o próprio Vargas, que retornou eleito democraticamente “aos
braços do povo”, em 1950 (como o caudilho gaúcho gostava de dizer), e criou a
Petrobrás, companhia nacional extração e produção do petróleo, antes de se
suicidar com um tiro no coração ainda durante seu mandato presidencial, em
agosto de 1954 (o suicídio, conforme mencionado anteriormente, foi um golpe de
mestre, pois Vargas, anteriormente isolado e desmoralizado por seus opositores,
em especial a União Democrática Nacional - UDN -, partido que reuniu milhares
de desafetos do presidente, especialmente através da sua carta-testamento ao
povo brasileiro, virou mártir e santo no imaginário de muitos, o “Pai dos
Pobres”).
Outra figura, altamente carismática que desponta nesse período foi o presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira (1956-1961), ex-governador de Minas Gerais pelo Partido Social
Democrático (PSD),representante das oligarquiais estatais que apoiavam Vargas.
JK, como era conhecido, o presidente bossa-nova (em referência ao então recente
movimento musical), devido à sua simpatia e leveza, prometeu em sua companha um
governo de “50 Anos em 5”
e, através do Plano de Metas (cujo a meta chave era a transferência da capital,
então no Rio de Janeiro, e a construção da nova capital, Brasília, no Planalto
Central), JK promoveu forte industrialização no país, aliando Estado,
Empresariado Nacional e Capital Estrangeiro (regra que se tornou praticamente
norma para futuros processos de industrialização no país – tese bastante
estudada nas obras de Fernando Henrique Cardoso, um dos elaboradores da Teoria
da Dependência).
A industrialização de JK se deu especialmente para bens de
consumo duráveis (carros, eletromésticos, maquinários, etc.), numa política de
substituição de importação de produtos estrangeiros. Foi a época da construção
das grandes montadoras no país, como a Fiat, italiana, e a Volkswagen, alemã
(por curiosidade, esta última a maior empregadora por décadas no país).
Curiosamente, o capital norte-americano não participou ativamente nesse
período, estando o governo Eisenhower (1953-1961) e o empresariado
estadunidense à época desconfiados dos planos de JK (o ex-presidente chegou
inclusive a romper com o Fundo Monetário Internacional, FMI, em 1959).
Os altos gastos durante o Governo JK e forte endividamento externo (e
interno, como do uso de recursos da Previdência Social, por exemplo), para
financiar o processo de industrialização, deixaram um verdadeiro elefante
branco para os futuros governos. Além disso, JK e sua equipe, juntamente com
empreiteiros que participaram na construção de Brasília, foram fortemente
acusados de corrupção e enriquecimento ilícito, o que foi amplamente utilizado
pelo então candidato populista conservador, Jânio da Silva Quadros.
Quadros,
político performático e com forte discurso moralizante, prometendo varrer a
corrupção de Brasília (daí a vassourinha ser seu símbolo de campanha), se
elegeu presidente em 1960, adotando medidas austeras como o corte de salários,
controle de gastos, desvalorização do cruzeiro entre outras da cartilha do FMI.
Porém Quadros, com seu estilo personalista e autoritário, alienou seus
eleitores (que tinham forte base na classe média) e perdeu apoio no Congresso
Nacional. Alegando “forças terríveis”, Quadros renunciou à presidência menos de
sete meses após tomar posse. Seu vice, João Goulart (Jango), ex-ministro do
Trabalho de Vargas e considerado político esquerdista e populista, figura de
renome no Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), era figura rechaçada por
diversos círculos políticos e econômicos da sociedade brasileira.
Ao assumir,
governou por dois anos e meio, sem apoio de poder econômico e rural, de parte
do Congresso e de maior parte dos militares. A esquerda brasileira à época,
estava, como sempre esteve, extremamente dividida, havendo, nas palavras de seu
ex-Ministro da Fazenda e da Relações Exteriores, San Tiago Dantas, uma esquerda
positiva e construtiva (que ele se incluía) e uma esquerda negativa e
antidemocrática (na qual ele incluía o deputado radical gaúcho, Leonel Brizola,
por sinal cunhado de Jango).
Com a inflação corroendo a nação e movimentos de insatisfação no campo,
Jango abandonou a política de estabilização econômica a longo prazo, em
especial o Plano Trienal proposto por Celso Furtado, Ministro do Planejamento e
inicialmente levado a cabo por San Tiago Dantas, e se agarrou à Reformas de
Base (tributária, agrária, educacional, política, educacional), para se
aproximar de seu eleitorado e buscar um país mais justo. Jango veio a ser
deposto em 2º de abril de 1964, por um golpe militar, quando foi declarada a
vacância da presidência da República.
O Regime Militar que o sucedeu teve três momentos. O primeiro de
construção do Regime, com a eleição do Marechal Castelo Branco e política de
estabilização econômica (1964-1967); o segundo momento de recrudescimento do Regime e
de forte nacionalismo econômico, com Marechal Costa e Silva (1967-1969) e
General Emílio Médici (1969-1974) e, por último, um período de abertura com
ainda forte intervenção do Estado na economia, com Ernesto Geisel (1974-1979) e
João Batista Figueiredo (1979-1985).
Durante o primeiro período, Governo Castelo Branco, a
preocupação era arrumar a casa. O país estava em estado de insolvência, com
grande dívida externa, dívida externa, déficit na balança de pagamentos, inflação
galopante e sem crédito perante o cenário internacional. Castelo Branco,
seguindo uma tradição que continuou com outros presidentes militares, pôs
tecnocratas nos pastas econômicas, que não havendo oposição real ao goveno,
puderam cortar na própria carne (ou na carne dos outros, visto a forte política
de arrocho salarial dos trabalhadores).
O Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG), posto em prática por Otávio Bulhões, no
Ministério da Fazenda, e Roberto Campos, citado no início desse trabalho, no
Ministério do Planejamento, tratado extensivamente por Skidmore em sua obra De
Castelo a Tancredo, buscou estabilizar a economia brasileira e combater a
inflação através de medidas extremamente austeras e impopulares, como o já
citado arrocho salarial de trabalhadores urbanos.
De fato, o próprio Campos em
entrevistas posteriores, confessou que ele e Bulhões dificilmente conseguiriam
implementar seu plano dentro de um contexto democrático, dado os altos custos
políticos-eleitorais do mesmo.
Com, digamos assim, a casa
em ordem, e a tomada do poder pela linha dura do regime, com Costa e Silva, a
austeridade dos castelistas foi substituída pela gastança pura e simples.
Durante as próximas décadas o governo brasileiro se endividou até o pescoço ao
pegar empréstimos internacionais para promover o espetacular crescimento
econômico de dois dígitos que ocorreu no final de década de 60, começo da
década de 70, sob a tutela do jovem tecnocrata e Ministro da Fazenda Delfim
Netto (que famosamente proferiu, que seria necessária fazer crescer o bolo,
para depois dividi-lo).
O crescimento do bolo ocorreu, mas às custas, conforme
mencionado anteriormente, de alto endividamento externo e interno (o criado
pelos militares Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, FGTS, e não administrado
por seus beneficiários, os trabalhadores, foi utilizado em larga medida para
promover esse processo) e acentuação das desigualdades sociais.
Enquanto a economia crescia
e, por conseguinte o salário dos trabalhadores, a preocupação com a dívida
interna e externa eram deixadas de lado, porém a partir da década de 80 (a
chamada década perdida), até pela desaceleração da economia internacional
(crise do petróleo), o governo brasileiro se viu mergulhado em recessão e
estagnação econômica, bem como a volta de inflação galopante, muitas vezes na
casa dos três dígitos que corroía os salários dos trabalhadores.
Durante o período militar,
pós Castelo Branco, a política industrial brasileira foi de substituição de
importação, forte proteção aos empresários e produtos nacionais, através de
tarifas de importação protetivas à indústria brasileira, investimento na
produção de energia, para a ampliação da economia brasileira (construção da
Usina Hidroéletrica de Itaipú, da Usina Nuclear de Angra dos Reis, que foi a primeira
do tipo no país, etc) e política de ocupação da Amazônia, inclusive com
incentivos para moradores de outras regiões – especialmente nordestinos –, para
se estabelecerem naquela região.
Os militares, segundo uma política que vinha
desde Washington Luís, mas especialmente de Juscelino Kubitschek, a quem tanto
criticavam e acusavam de corrupto (inclusive chegaram a cassar os direitos
políticos do presidente por dez anos), investiram fortemente no setor
automobilístico e rodoviário, com a criação e ampliação de estradas e avenidas,
em detrimento de meios alternativos de transporte como o transporte ferroviário
e fluviviário (apesar do país ter extensão enorme de rios navegáveis). O
resultado reflete no presente, com extenso trânsito e caos nas principais cidades
e Custo Brasil alto, muito devido à questão da logística para transporte de
cargas.
A política nacionalista,
com a construção e consolidação de diversas empresas estatais (as famosas
‘bras’ – Eletrobrás, Petrobrás, etc.) e a proteção artificial do parque
industrial nacional (inclusive com largos empréstimos a fundo perdido pelo
BNDES), perdurou até Governo Collor, quando o jovem presidente Fernando Collor
de Mello, o primeiro eleito democraticamente em 29 anos, quem sabe de forma
abrusca, abriu o país para importação de produtos estrangeiros, levando à
quebra generalizada de diversos setores indústrias. Collor, que veio a ser
impichado dois anos depois, referia-se aos carros brasileiros, como ‘carroça’,
demonstrando a falta de competitividade de nossos produtos industrializados no
cenário internacional (a pauta de exportação brasileira, sempre foi,
predominantemente de produtos agrícolas).
O presidente que sucedeu
Collor, após seu afastamento, Itamar Franco, era nacionalista tradicional,
inclusive durante seu período chegou a tentar revitalizar a construção do
Fusca, carro símbolo da indústria automobilística nacional. Por último, com a
implementação do Plano Real pela equipe de Fernando Henrique Cardoso (FHC),
Ministro da Fazenda de Itamar, e presidente do país por duas vezes (1995-2003),
o país entrou no mundo globalizado, estando mais suscetível à crises externas,
havendo maior competição dos produtos nacionais, com estrangeiros, maior
participação de empresas e capital internacional na economia brasileira,
controle do câmbio por parte do governo federal (paridade do real dólar por
vários anos, que prejudicou bastante a indústria nacional) e política de
privatização do setor telefônico e de empresas públicas consideradas
deficitárias.
De fato, FHC chegou a declarar o fim da Era Vargas, em seu
governo, o que gerou forte descontentamento de setores nacionalistas e da
esquerda). Outra medida, que incentivou a entrada do empresariado nacional, foi
a redução do imposto de remessa de lucros ao exterior de empresas estrangeiras
no país. Sendo em em 1962, governo de João Goulart, essa retenção de 90% (!) e
no começo do Governo FHC, 15% (hoje, Governo do PT, a alíquota é zero, apesar
de haver outros impostos, como o IOF, incidentes sobre capital estrangeiro).
Entre impostos que
podem controlar a entrada de produtos estrangeiros e que têm alíquotas
variáveis (são conhecidos portanto como impostos regulatórios, pois sua função
primordial não é a arrecadação, mas a regulação da economia), podemos citar o
Imposto de Importação (II), o Imposto Sobre Produtos Industrializações.
Sobre o Governo Lula e
Dilma, que em grande parte copiaram o modelo macroeconômico do Governo FHC,
porém com maiores investimentos internacionais e tentativa de criar um mercado
interno consumidor mais consolidado, podemos citar a decisão de reconhecer a
China como economia de mercado em 2004, o que fez com que o país fosse invadido
por produtos chineses baratos e feitos praticamente por mão de obra escrava,
sendo impossível ao empresariado nacional competir com estes (aliás, o mundo
inteiro, desenvolvido, ou não, está sofrendo com a competição a produtos
chineses, que vem destruindo parques indústrias em diversas partes do globo).
Recentemente, o ora autor, teve oportunidade de participar de seminário na
FIESP sobre a desindustrialização no Brasil e as falas de todos os palestrantes
demonstrava bastante pessimismo, com inclusive dados demonstrando a
participação da indústria (segundo setor) diminuída no Produto Interno do país
nos últimos anos.
Conclusão
Apesar de historicamente o Brasil ser país enormemente burocrático
(muitos do setor produtivo reclamam de se demorar, em média, 120 dias para se
abrir uma empresa no país e no passado, para setores da aristocracia urbana, os
melhores empregos estavam dentro da máquina pública), em diversos momentos o
empresariado nacional mais precisou do Estado, do que de sua ausência para
sobreviver. De forma geral, o parque industrial brasileiro não tem capacidade
de competir com produtos estrangeiros, com honrosas exceções como são os aviões
comerciais de porte médio da Embraer, exportados para o mundo inteiro.
Apesar de desestimulada anteriormente, a partir da década de 30, a
indústria brasileira sempre foi enormemente protegida pelo governo e
empresários e industriários receberam diversas benesses dos governos federais,
estaduais e municipais, para continuarem exercendo suas atividades e não
demitirem trabalhadores brasileiros (a atual guerra fiscal, especialmente com a
redução ou isenção do ICMS, entre os estados, e assim atrair investimentos
demonstram essa prática – exemplo mais conhecido foi a mudança da Ford do Rio
Grande do Sul, então governado pelo PT, para a Bahia, DEM, no final da década
de 90, devido aos fortes incentivos fiscais dados pelo governo baiano).
Exemplo recente é o plano do governo do PT, de promover pacote de estímulo para
as montadoras nacionais, para que estas não demitam trabalhadores, devido à
desaceleração na compra de automóveis).
O grande problema da política de industrial nacional, como diversas
outras políticas pétreas é que sempre beneficiou os amigos, em detrimento dos
opositores (‘aos inimigos a lei’, como diria Getúlio Vargas). Sendo assim,
grandes empresários ligados ao governo, conseguiram benesses, como empréstimos
governamentais a fundo perdido, tiveram dívidas tributárias de larga monta
perdoadas ou esquecidas e se beneficiaram de tarifas protetivas aos seus
produtos. Quanto aos pequenos e médios
empresários, ficam esses sujeitos a uma das cargas tributárias mais altas e confusas
do mundo, grande carga trabalhista na folha de pagamento de seus funcionários,
péssimos serviços governamentais e péssima infra-estrutura, vindo estes a
quebrar muitas vezes, não por suas próprias falhas, mas pelas falhas do próprio
país.
Infelizmente, como defendeu Raymundo Faoro, em sua conhecida obra Os
Donos do Poder, o Brasil sempre foi um país patrimonialista, de capitalismo
dirigido, de Estado, onde os amigos do poder têm benesses e os adversários,
ônus. Reformas como a Política, a Tributária e a Educacional, são essenciais
para se promover um país onde as regras sejam mais claras e as oportunidades
sejam iguais para todos.